segunda-feira, 2 de maio de 2011

Os segredos do PAC da Copa - Morro Santa Teresa - Capítulo 6

Tania Jamardo Faillace, jornalista e delegada RP1

Ao final de 2009, a governadora do Estado enviou à Assembléia Legislativa um projeto de lei, (um PL), propondo a permuta do morro de Santa Teresa com uma empresa construtora (a Maiojama) em troca da construção de 9 casas de abrigo para a população de jovens então recolhidos nas instalações da FASE naquele morro. A avaliação do terreno de 79 ha, era de 1 milhão por ha.

Desconsiderava-se que no mesmo terreno havia cerca de 20 mil pessoas lá residentes há décadas, que o morro contava com uma reserva ambiental de valor inestimável, inventariada pela Fundação Zoo Botânica, e, inclusive oito nascentes de água pura. Também se desconsideravam os prédios históricos que fazem parte do complexo da Fundação, e o destino que seria dado aos internos.

Quer dizer, se o objetivo fosse melhorar o atendimento aos garotos, o projeto seria em cima disso. O quê fazer, porquê fazer, como fazer, onde fazer e quando fazer, em termos de programas de educação e atendimento, e em termos de abrangência da clientela jovem, além da contratação e qualificação dos recursos humanos necessários para a melhoria institucional. Só então se partiria para projetar outros prédios e sua localização – como e onde.

Finalmente, seria feito um projeto financeiro para executar essas propostas, e se conferiria se haveria dinheiro em caixa ou no orçamento que pudesse ser usado, ou se seria preciso pedir um apoio ao Governo Federal, que tem muito interesse nas políticas com crianças e adolescentes.

Nenhuma razão havia para, de cara, propor a negociação do morro a preço de banana para uma empresa de construção.

Bom, na verdade, levando em conta que a empresa construtora está ligada a uma grande rede de comunicação, e haveria eleições proximamente, e essa empresa de comunicação mostra muita competência para eleger seus candidatos favoritos – elegeu o Antônio Britto, seu funcionário, faz vários anos, assim como outros – é possível compreender toda aquela pressa da governadora e seu pedido de urgência.

Mas... se os direitos dos moradores, dos técnicos da FASE, dos internos, dos prédios históricos, e da área verde natural, foram esquecidos pelo poder público – nem os moradores, nem os servidores da FASE, nem as entidades ambientalistas, nem os defensores do patrimônio histórico-cultural, e os de direitos humanos se esqueceram desses... detalhes.

Foi organizado um grande movimento popular em defesa do morro Santa Teresa, que forçou uma audiência pública no início de 2010, na qual as exigências foram colocadas: regularização fundiária e projeto de urbanização para os moradores, defesa do patrimônio histórico e cultural, e um programa sério de reformulação do sistema FASE, favorecendo sua descentralização, mas reconhecendo que parte dos internos têm suas famílias nas redondezas.   

Mesmo assim, foi preciso investigar e levantar alguns dados surpreendentes que embasaram o projeto, inclusive o fato de que a avaliação do terreno tinha sido feita por uma empresa de equipamentos aeronáuticos! ao invés de uma empresa de avaliações imobiliárias.

Com tudo isso, a base parlamentar da governadora (essas bases parlamentares, são, na verdade, um atentado contra a democracia, já que vão todos de voto fechado e não consultam suas bases populares) teria votado essa lei apesar de suas irregularidades, como, pouco mais de ano antes tinha votado a totalmente ilegal 13.093, para a construção da Arena do Grêmio, relatada nos capítulos 3 e 4 desta nossa novela.

Deu-se um fato imprevisto: no dia da votação, faleceu o ex-deputado e ex-prefeito de  Pelotas, Bernardo de Souza, e a AL entrou em recesso por luto. A governadora, então, retirou a urgência do projeto. E deve ter ficado bem arrependida, pois, sem o apoio daquela mídia tão especial, alcançou apenas o terceiro lugar nas eleições de 2010.

O que interessa, porém, é que o projeto não foi votado, e pode retornar a qualquer hora, se não for definido politica e institucionalmente o destino do morro Santa Teresa, que é área pública estadual..

Compreende-se o apego do grupo construtor-comunicador ao morro, pois suas principais instalações de rádio-difusão situam-se na outra encosta do mesmo morro, que é chamado popularmente de “o morro das TVs”. E depois, sua paisagem é deslumbrante.

O morro, porém, não é próprio para construções pesadas e escavações, pois tem mais de 45 graus de inclinação na encosta oeste, isto é, uma vez construídos prédios no local, e perfuradas o terreno para as canalizações e fundações, a tendência é haver deslizamentos dramáticos, semelhantes aos do Rio de Janeiro.

Enquanto os moradores continuavam discutindo o que fazer para proteger seus direitos, um grupo de cidadãos – inclusive técnicos e ambientalistas – interessados em defender o meio ambiente e a mata nativa do local, – aproximaram-se para unir esforços na preservação do morro e dos direitos dos moradores (www.omorroenosso.com.br) promovendo visitas, discussões, propostas alternativas, em que a criação do parque do morro pode, inclusive, propiciar a geração de emprego e renda para a população, em termos de preservação e educação ecológica.

Há a necessidade, porém, de um entendimento entre município e Estado para cadastrar os moradores e fazer um projeto viável de urbanização e regularização fundiária respeitando o meio ambiente.

Agora, vocês podem perguntar: Que tem a ver o PAC da Copa com tudo isso?

Tem muito, porque o morro Santa Teresa faz a ligação dos novos espaços urbanísticos pretendidos pelos construtores e a prefeitura, com incentivos fiscais do PAC, no sentido de retirar os pobres da orla do Guaíba, que seria destinada a habitações e turismo de luxo.

Abra-se um mapa da região, e percebe-se a continuidade geográfica dos projetos: Estádio Olímpico a ser demolido para se construirem as torres de luxo, na Azenha; Estádio dos Eucaliptos, idem, idem, no bairro Menino Deus; morro Santa Teresa (a jóia da coroa) com mais torres panorâmicas;  projeto Sempre Gigante e mais torres; cocheiras do Jockey Club vendidas para dar lugar a outras tantas  torres; e o resto da orla em direção ao Sul, com torres da Golsztein, e de todas as construtoras que se interessarem, seguindo a idéia do arquiteto Marcelo Allet, da Secretaria Municipal do Planejamento.

Em direção ao Norte, temos os projetos ainda sem dono definido, as PPPs dos parques públicos Marinha e Gasômetro que deixarão de ser tão públicos, para serem administrados por particulares; e mais o cais Mauá, também ambicionado por nossa velha amiga, a Maiojama.

E bem ao Norte, o complexo Arena do Grêmio, e uma porção de projetos ainda não divulgados para invadir o santuário ecológico do Arquipélago, também chamado o Parque Delta do Jacuí – embora cientificamente não se trate de um delta, mas de ilhas aluvionais de meio de percurso. Tais ilhas são berçários de espécies, e são semi-flutuantes, isto é, não têm base sólida, de rochas. Poluição largada lá, polui toda a bacia do Guaíba, até a Lagoa dos Patos, e o oceano.

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