segunda-feira, 2 de maio de 2011

Anistia Internacional: às comunidades em remoção no Rio só resta resistir


Após o relato de diversos moradores de comunidades no Rio de Janeiro sobre as remoções de moradias que estão ocorrendo na cidade, o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, afirmou que só resta a resistência para essas pessoas. A declaração foi dada no dia 26 de abril durante uma reunião com representantes do Conselho Popular, Pastoral de Favelas, defensores públicos do Estado do Rio, e moradores que estão em áreas de remoção por causa das chuvas de 2010 ou das obras para os mega eventos esportivos que a cidade vai receber.

“Acho que resta pouco a dizer depois desses relatos poderosos e sofridos que ouvimos aqui hoje (26/04) em relação à brutalidade das autoridades, resta apenas resistir”, observou Shetty.

O representante da Anistia Internacional também destacou que as autoridades brasileiras precisam ter sensibilidade ao fazer o reassentamento de pessoas para a realização de obras para a Copa e das Olimpíadas. Segundo ele, não estão respeitando os procedimentos legais na retirada das pessoas nessas áreas e tampouco ocorre diálogo com os moradores.

“Se a cidade vai abrigar a Copa e os Jogos Olímpicos, algumas mudanças vão ocorrer. Mas as pessoas que serão afetadas precisam ser consultadas e há todo um processo legal. E os exemplos que vi é que esse processo não está sendo seguido. As autoridades têm que ser mais sensíveis em relação a isso. Se manter esse comportamento, podemos ter dificuldade ao longo do tempo. Vamos discutir com autoridades e com o ministro da Justiça”, afirmou.

A Anistia Internacional completa 50 anos em 2011 e é uma das entidades internacionais mais representativas no campo dos Direitos Humanos. O representante da entidade afirmou que a Anistia atua há quatro décadas no Brasil, e abrirá um escritório no Rio de Janeiro ou em São Paulo nos próximos quatro meses. 

Lideranças e moradores dos Morros dos Prazeres, Pavão-Pavãozinho, Borel, e comunidades do Horto, Vila Recreio II, Vila Autódromo e Guaratiba, além dos defensores e movimentos sociais, fizeram diversas denúncias durante o encontro. A mesa foi mediada pelo Padre Luiz Antônio, coordenador da Pastoral de Favelas, que destacou o déficit habitacional no Rio e defendeu que a favela é uma solução encontrada historicamente por essas pessoas.

“Não queremos proibir os eventos, queremos o direito à moradia, que é sagrado. Estão construindo casas no final do município do Rio, em Cosmos, Realengo, Campo Grande, às vezes em até 60km de distância da comunidade. São ações truculentas da prefeitura, e miseras indenizações àqueles que não aceitam morar nesses locais distantes”, criticou.

Relato dos Moradores

A presidente da Associação de Moradores do Horto, Emília de Souza, acredita que a cidade está sendo dividida pelo interesse econômico. Sua comunidade, que fica na zona sul da cidade, segundo ela, nasceu em benefício do Jardim Botânico há mais de 100 anos e hoje é taxada pela grande mídia como de invasores.

“O trabalhador não tem mais o direito de morar nas áreas nobres, que com a pacificação estão ficando cada vez mais valorizadas. Estão expurgando essas pessoas da zona sul”, disse.  

Duas lideranças de comunidades que sofreram remoções por causa das chuvas de abril do ano passado deram seus testemunhos. Além do caso do Morro dos Prazeres, onde morreram 34 pessoas e um ano depois ainda não foi dada solução para 20 famílias, no Morro do Borel, na zona norte do Rio, quase 200 famílias estão sendo levadas para conjuntos habitacionais em até 70km de distância da comunidade. Ambas reivindicam a construção de moradias no próprio local, pois elas defendem que existem áreas não aproveitadas nessas comunidades. Segundo Alessandra, do Morro do Borel, metade das famílias está lutando para ficar na comunidade.

”Estão querendo nos remover para Paciência e Senador Camará, mas tem vários terrenos que eles podem construir nas proximidades se eles quisessem”, reivindicou Alessandra, que está recebendo o aluguel social com mais 187 famílias.

Jane Nascimento, moradora da Vila Autódromo, na zona oeste do Rio, por sua vez, denunciou que os animais silvestres estão entrando nas casas por causa do seu habitat devastado, coisa que não acontecia quando a comunidade foi criada. A Vila Autódromo está sendo pressionada à remoção por conta de questões ambientais.

“As leis são feitas, mas não são cumpridas. Tem gambá e mico entrando nas casas, a destruição não é só da nossa moradia, é do habitat. O (Roberto) Medina recebeu a licença para fazer o Rock in Rio. Nenhum dos outros condomínios da Barra prejudicam o meio ambiente?”, questionou.

Defensoria Pública

A Defensoria Pública do estado do Rio vem acompanhando esse processo, por meio do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH), há alguns anos junto às comunidades atingidas. Seus profissionais criticam uma série de diretrizes e ações do poder público. Alexandre Mendes, defensor do NUTH, vai a essas comunidades desde 2009 e deu um relato sobre a comunidade Restinga, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste, que será removida para a construção da Transoeste, via que fará a ligação aos ônibus num corredor viário para o Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim. A comunidade foi uma das visitadas pela Anistia Internacional em outubro do ano passado, quando foi feito um relatório de ação urgente pela entidade, dois meses antes da remoção.

“Chegamos lá às 2h30m da madrugada e as famílias estavam sendo removidas. Elas não tinham sido indenizadas e não tinham para onde ir. Uma família dormiu na praia. Só na semana seguinte é que se falou em indenização, e quando foram receber os valores eram entre R$ 8 mil e R$ 9 mil. Muitas estão torrando o dinheiro mês a mês para pagar aluguel”, lembrou.
Mendes criticou o tratamento dado pela Secretaria Municipal de Habitação, que, na sua opinião, chega marcando as casas e as pessoas sequer sabem do que se trata. É o caso das moradias que serão demolidas próximo ao Sambódromo, no Centro, onde um morador recebeu uma notificação de demolição na semana passada com a data do dia anterior, exemplificou. Ele também traçou algumas das ações do poder público que, segundo ele, refletem a “lógica de atuação global na cidade”: os projetos, procedimentos ou medidas alternativas não são anunciados previamente; não há participação da comunidade em nenhum momento; os reassentamentos são realizados em lugares distantes, e apresentados como única alternativa; indenizações baixas, e estabelecimentos comerciais ou instituições, como religiosas, não foram contempladas, etc. Para o defensor, muitas dessas questões são previstas nas leis e não são cumpridas.

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