quarta-feira, 25 de maio de 2011

Andrew Jennings: “A Máfia é amadora comparada à Fifa”

Rodrigo Turrer - Revista Época

O inimigo número um da Fifa diz que a entidade exporta corrupção e manipula resultados de partidas de futebol.

Há 13 anos o jornalista escocês Andrew Jennings comprou uma guerra com a mais poderosa instituição esportiva do mundo, a Federação Internacional de Futebol (Fifa). Em 1998, ele começou a investigar as relações entre empresas e dirigentes da Fifa.

Descobriu eleições compradas, manipulação de resultados de jogos e negociatas para a escolha de países-sede da Copa do Mundo. Reuniu tudo em um livro, recém-lançado no Brasil: Jogo Sujo, o mundo secreto da Fifa. “São negócios que fariam corar a máfia italiana”, afirma Jennings.

Época –
O que há de errado com a Fifa?
Andrew Jennings – A Fifa está roubando a paixão das pessoas. O futebol é uma paixão, e a paixão cega. Esses crápulas que dirigem a Fifa enriquecem às custas do dinheiro da paixão. Todo o sistema das grandes confederações do esporte está contaminado. A corrupção está lá. Blatter vende a imagem de ser um amante do futebol, um homem que dorme e acorda pensando em como melhorar e desenvolver o esporte. Mas ele é um parasita. Um sanguessuga grudado na jugular do futebol. Um homem de negócio que usa o esporte para se autopromover e ganhar dinheiro. O melhor que ele poderia fazer pelo futebol é deixá-lo, ir embora.

Época
 – De que modo eles agem nos bastidores?
Jennings – A Fifa dá, no mínimo, US$ 250 mil por ano para cada país investir em futebol. Na Europa esse dinheiro é irrelevante. Mas pense no Congo. Mauritânia. Tailândia. Esse dinheiro nunca é auditado. Por mais de 30 anos eu investiguei máfias, corrupção policial, corrupção política e crime organizado. Eles são amadores comparados com o que se faz na Fifa. Os líderes da Cosa Nostra enrubesceriam se soubessem das negociatas que rolam em Zurique.

Época
É assim que esse poder é mantido?
Jennings – Blatter diz que é eleito de maneira democrática. Não há nada que mereça ser chamado de democracia na Fifa. Em uma democracia existe discordância, oposição. Na Fifa, não. Aquilo que elege Blatter e Havelange é um congresso de federações que, por ironia, eles chamam de parlamento. São mais de 600 delegados, 2 ou 3 por país, com 208 países. É intrigante ver como, em votações, todos concordam com tudo que Blatter propõe ali. O que vemos no parlamento da Fifa são os pequenos ratos agradecendo ao rato-chefe pelo estilo de vida de magnatas que levam.

Época
O senhor pode provar as acusações?
Jennings – Quando digo que eles são canalhas não se trata da minha opinião – apesar de demonstrar o que sinto por essas pessoas. Eu não falo nada sobre ninguém antes de uma profunda pesquisa: meses reunindo provas, documentos e entrevistas que comprovem o que digo. Meu livro é baseado em dez anos de investigação sobre a Fifa e apresenta uma série de documentos: as relações escusas entre os dirigentes da Fifa e empresas patrocinadoras e de marketing, a conivência com a venda de ingressos para cambistas, a cooptação de novas federações pelo mundo, as propinas para sediar a Copa.

Época
 – A escolha do país que vai sediar a Copa é isenta?
Jennings – Não. Posso dar o exemplo da Copa de 2006. A candidata Alemanha tinha tradição no futebol, mas não contava com votos importantes de países da África. Até que um magnata da TV alemã, Leo Kirch, entrou no jogo. Ele tem várias estações de TV esportiva, e ganharia uma fortuna com contratos de direito de transmissão da Copa em seu país. Ele então vendeu contratos com Tailândia, Trindade e Tobago e alguns países africanos para transmissão de jogos do Bayern de Munique contra a seleção de Malta. Se você está na Tailândia, quer ver o Bayern jogar contra Malta ou contra o Machester United e o Real Madrid? O dinheiro foi para as federações que, assim, votaram na Alemanha.

Época
 – No caso do Brasil também houve manipulação para sediar a Copa do Mundo de 2014?
Jennings – Vamos dar um passo atrás. Blatter tinha de retribuir a Ricardo Teixeira o apoio para sua eleição. Que tal uma Copa do Mundo para você ganhar um bom dinheiro? Perfeito! Vamos dar um nome para isso: rotação de países-sede. Vamos dizer que cada continente terá a sua vez de sediar uma Copa. Ninguém na América do Sul, além do Brasil, teria condições de organizar uma Copa. Isso foi uma artimanha política. Se você prestar atenção nos contratos, uma empresa de Ricardo Teixeira vai ter participação no lucro gerado pela Copa para a CBF. O Brasil como sede de 2014 foi menos uma questão de propina, e mais uma questão de interesses políticos. Triste é ver o povo na praia de Copacabana comemorar o resultado da escolha, sem saber o que está de fato acontecendo.

ÉpocaE no caso da Rússia e do Catar, sedes das Copas de 2018 e 2022?
Jennings – Não tenho dúvida de que eles pagaram propinas. Uma hora encontraremos a prova. Catar? A Fifa está falando sério? A população mundial sabe que é impossível organizar uma Copa no Catar, no verão. E no inverno europeu há uma tradição de jogos de futebol. Nunca os clubes, as televisões e as federações vão permitir que o futebol pare no inverno. Você imagina os donos de times de futebol dizendo: “Ei, pessoal, não haverá dinheiro da TV e patrocínio durante um mês por causa da Copa, OK?”. Já a Rússia, apesar da tradição no futebol, fez um jogo sujo contra seus adversários. Tenho uma foto de Blatter fazendo um brinde a Alimzhan ‘Alik’ Tokhtakhounov, um conhecido mafioso russo, em 2006. Foi ele que manipulou e pagou propina aos jurados nas Olimpíadas de Inverno de 2002, em Salt Lake, para que os russos ganhassem o ouro em patinação artística. Blatter, Havelange e muitos outros da Fifa são parte do Comitê Olímpico Internacional. Esse tipo de assédio fez a Rússia ser eleita para a Copa de 2018.

Época
 – Como o jogo político dos bastidores afeta as partidas de futebol?
Jennings – Na Copa do Mundo de 2002, a Espanha e a Itália foram roubadas de modo grotesco, por dois árbitros diferentes. O resultado favoreceu quem? A Coreia do Sul, um dos países-sede. Na Coreia, o beisebol é mais popular do que o futebol. Se o time nacional fosse desclassificado, os estádios ficariam vazios. A Coreia chegou às semifinais. Como todos estão de olho nos atletas, é mais fácil corromper um árbitro. É a figura que mais comete erros cruciais durante uma partida.

Época
 – Como você avalia as exigências da Fifa ao país que vai sediar a Copa?
Jennings – Essas exigências são para facilitar a corrupção. Na África do Sul construíram cinco estádios, muitos deles em cidades que dão mais atenção ao rúgbi que ao futebol. Políticos liberam incentivos fiscais e facilitam licitações para atender as demandas da Fifa. Todos lucram com isso, menos o povo. Os britânicos tentaram sediar a Copa de 2018, mas não aceitaram pagar propina. Acabaram perdendo para a Rússia.

Época
Por que a Fifa não é investigada e os responsáveis presos, se essas irregularidades são tão óbvias?
Jennings – Por que você acha que a sede da Fifa é em Zurique? Coincidência? Apelo geográfico? Na Suíça, a propina comercial não era ilegal até há poucos anos, apenas o suborno de oficiais do governo. A ISL só foi responsabilizada pelo fato de gerenciar mal seus negócios enquanto devia para outras empresas.

Época
 – O senhor torce para algum time? Consegue gostar de futebol mesmo sabendo de tudo isso?
Jennings – Sim. Adoro futebol. Mas não torço por nenhum dos grandes clubes. Simpatizo com um time que você nunca ouviu falar: o Leyton Orient. Há décadas chamava-se Clapton Orient. É um clube do leste de Londres, onde meu avô jogou. Não gosto de torcer por clubes porque tenho apreço pelo esporte, pelo lado atlético do esporte. Não importa se é futebol ou rugby: o importante é que seja feito com honestidade.

Entrevista publicada em 2/5/11.


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