sexta-feira, 29 de abril de 2011

Os segredos do PAC da Copa - Ação na Justiça Federal - Capítulo 5

Tania Jamardo Faillace, jornalista e delegada RP1

Em 2009, foram votadas pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, as leis 608, 609, e 610, alterando dispositivos do Plano Diretor do município em alguns lugares da cidade, para favorecer algumas obras especiais ligadas ao PAC da Copa. Já falamos antes dessas obras: área do Eucaliptos, área do Olímpico, área do Beira Rio, área do Humaitá, destinada à Arena do Grêmio.

Mas o que aconteceu de estranho e nada comum, é que nesse exato ano, estava sendo feita a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, dentro da mesma Câmara.

O normal e natural, por parte dos Vereadores e até dos empreendedores, seria respeitar o Plano Diretor, e as críticas feitas pelos representantes da comunidade portoalegrense nos Foruns Regionais de Planejamento, onde todos esses projetos foram examinados e rejeitados, ou então participar da revisão que estava sendo feita, encaminhando propostas, sugestões e emendas.

Não, a saída foi atropelar e alterar na marra o Plano em final de carreira, que logo seria substituído.Talvez tivessem receio de que a revisão fosse mais difícil de... “flexibilizar”, como eles gostam de dizer. A alegação foi a pressa do poder público em contentar a FIFA.

Essa pressa foi tal, que não foram feitas consultas aos bairros e comunidades atingidas, nem providenciados os estudos de viabilidade urbanística ou de impacto ambiental.

Assim, um grupo de 30 pessoas, cidadãos comuns, entraram com uma ação popular na Justiça Federal, número 2009.71.00.014456-0, pedindo a revogação dessas leis. Foram citados como réus: Grêmio, Internacional, Prefeitura e Câmara de Vereadores.

A Justiça Federal tentou tirar o corpo fora, alegando não ser sua jurisdição, até que a Advogacia Geral da União, a AGU, resolveu entrar no processo, explicando que o governo federal está interessado na Copa de 2014. O Grêmio tentou defender-se pedindo que a Construtora OAS também fosse citada, – nós sabemos que a grande beneficiada disso tudo é a construtora e não o clube – mas essa construtora, sabida como é, ficou de fora, bem quietinha.


Ora, uma coisa é um evento esportivo internacional, que serve de propaganda, traz visitas, etc. E outra coisa é atropelar a lei, prejudicar os interesses de uma cidade inteira, seu ambiente e até sua segurança de vôo, só porque isso pode dar muito dinheiro a uns e outros. A questão envolvendo o Olímpico e a Arena do Grêmio, em especial, não tem qualquer justificativa, uma vez que a Copa não usará nem o estádio Olímpico nem a Arena.

Não havia pressa, pois, em autorizar esses projetos, a não ser a dos construtores querendo aproveitar os benefícios fiscais prometidos pelo PAC da Copa. Essa pressa é tanta, que antes de se construir qualquer coisa, já apareceram anúncios de venda de imóveis ou títulos na Internet, para atrair o dinheiro dos interessados, antes de existir qualquer certeza sobre as construções.

Só para vocês entenderem rapidamente o processo e as leis contestadas na Justiça Federal:

A lei 608 autorizou a elevação dos índices construtivos em 50% no terreno do Estádio dos Eucaliptos, bairro Menino Deus. Não houve consulta à comunidade, nem foram feitos estudos de impacto ambiental, de vizinhança, ou de intensificação do tráfego de veículos. Essa lei também fere os princípios constitucionais de igualdade e razoabilidade, isto é, como é que um único projeto chega e obtém autorizações que os demais moradores  e construções não têm?

A lei 609 também aumentou o índice construtivo na área do Beira Rio, para a construção de um edifício garagem e uso dos entornos do Gigantinho, invadindo o Parque Marinha do Brasil, área pública, com destinação a estacionamentos. Além disso, esse aumento de índice construtivo visou a construção de mais uma série de torres, que vão alterar toda a paisagem da orla do Guaíba, vão densificar também o índice  de ocupação, e multiplicar o trânsito de veículos, sem qualquer estudo de viabilidade urbanística, arriscando isolar a zona Sul do resto da cidade.

A lei 610 envolveu tanto as propostas para a construção de mais torres no que hoje é o Estádio Olímpico, que seria demolido, como o complexo Arena Gremista, que já explicamos antes (cap. 3 e 4). A área do Humaitá envolveria ainda a questão da segurança de vôo, assunto sobre o qual o V Comar (Comando Áereo da V Região) se manifestou, a questão da rota das aves migratórias, a alteração do bioma “banhado”, e outros aspectos que também abordamos nos capitulos 3 e 4.

A maior parte desses projetos se localizam na orla do Guaíba, que é considerada Área de Preservação Permanente e proibida para construções. Pois é.

Levantou-se no processo, também a questão do “empobrecimento urbano, que tem como resultado a expulsão da população que reside num local e sua substituição por outra, de maior poder aquisitivo”.

E é isso, o que realmente está por trás desses super-projetos, além da isenção de impostos: A alteração da ocupação da cidade de Porto Alegre. De um modo geral, a cidade de Porto Alegre se espalha por uma área muito grande, o que dificulta o transporte, aumenta o tempo dos trajetos, põe as pessoas a morar num lugar e a trabalhar a 10, 20 ou até mais quilômetros de distância.

Isso aconteceu por causa da estocagem de terrenos. Grandes investidores, com muito dinheiro, seguravam seus terrenos esperando aumentar seu valor de venda. Isso também fazia aumentar os preços nos bairros já urbanizados, e as pessoas com menos renda que não pudessem comprar nem pagar os aumentos de aluguéis, eram obrigadas a se mudarem cada vez mais longe, para lugares sem água tratada, sem esgoto, sem iluminação nas ruas, etc.

Isso está sendo tentado outra vez. Agora, os investidores acham que a zona Sul pode dar muitos lucros, se forem ali construídos prédios de luxo. Assim como os morros. Mas esses lugares já estão ocupados por pessoas de baixa renda, às vezes amontoadas em favelas, às vezes em casas normais, mas modestas. A ordem do dia, pois, é expulsar essas pessoas dos lugares que os construtores desejam. Pode-se fazer isso à força, e já foi feito.

Mas pode-se fazer isso com manha. Isto é, começando a construir prédios de luxo em volta da casa modesta ou do sobradinho, isso provoca a carestia do metro construído, e dos terrenos. Sobem os preços, sobe o IPTU. Aí, aparece o empreendedor e oferece um dinheirinho para a pessoa se mudar. A pessoa pode entender que os preços subiram, mas não vai conseguir um grande preço por sua casa, porque esta é considerada “velha” - outro truque que os especuladores imobiliários estão usando: com três anos, uma casa ou apartamento já é considerado “velho”.

A pessoa acaba aceitando esse dinheirinho, mas não vai poder arranjar um lugar tão bom como sua velha casa, seu velho bairro, que tem tudo o que ela precisa.... mas, que é que ela pode fazer? recebe o dinheirinho, vende, e aí “vai saber o quanto dói uma saudade”, empurrada cada vez mais longe de seus parentes, amigos e vizinhos, de seus costumes, de sua paisagem.

No próximo capítulo vamos mostrar o “outro lado” do caso do Morro de Santa Teresa. Ah, o processo contra as leis 608, 609 e 610 ainda não foi julgado. (TJF)

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